a Atualidade

A venda de uvas às adegas que produzem Vinho Madeira assenta, por norma, em acordos apalavrados, fechados com um simples aperto de mão, pouco antes de cada vindima.

Embora o turismo seja o motor da economia desde o século XX, o chamado Vinho Madeira continua a ser produzido até hoje.

Existem, atualmente, no arquipélago cerca de 400 hectares de vinhas “Vitis vinífera”, distribuídas por aproximadamente 1200 produtores. A natureza minifundiária do terroir é uma das singularidades desta tradição vitivinícola. A pequena dimensão das parcelas, e a inclinação de algumas, torna inviável a mecanização, exigindo muita mão de obra. Quase toda a atividade na vinha é manual. A venda de uvas às adegas que produzem Vinho Madeira assenta, por norma, em acordos apalavrados, fechados com um simples aperto de mão, pouco antes de cada vindima.

As castas predominantes brancas são: o Sercial (seco), o Verdelho (meio seco), o Boal (meio doce) e o Malvasia de S. Jorge (doce). Nas tintas, destaca-se a Tinta Negra (Molar), com a qual se fazem os vinhos mais novos, nos quatro estilos de doçura: seco, meio seco, meio doce e doce.

Dentro das castas ditas “Tradicionais”, merecem referência as variedades Bastardo e Terrantez, produzindo quantidades muito pequenas (menos de 20 toneladas por vindima), atualmente. Embora originem vinhos de excelente qualidade e singularidade, são de enorme propensão para o desavinho, devido ao oídio e podridão. Por isso, tornaram pouco aliciante a sua produção. É ainda de referir a casta Malvasia Cândida, hoje rara, afamada desde o tempo do início do povoamento.

As principais castas recomendadas para o Vinho Madeira estão em áreas geograficamente bem definidas. As duas principais zonas vinícolas na ilha da Madeira são: Câmara de Lobos / Estreito de Câmara de Lobos (Tinta Negra, Verdelho e algum Boal) e São Vicente (Tinta Negra e Verdelho). As castas Malvasia estão situadas em São Jorge (Malvasia de S. Jorge) e na Fajã dos Padres ainda com Malvasia Cândida. O grande solar do Verdelho é a Ribeira da Janela, Seixal e Ponta Delgada e, na zona Oeste, a Fajã da Ovelha; o Sercial no Porto Moniz e Jardim da Serra; o Boal na Calheta e no Campanário; o Terrantez ainda com vinhedos em Santa Cruz, Câmara de Lobos e Funchal. O Caracol e o Listrão são produzidos exclusivamente no Porto Santo.

Normalmente, as vindimas na Madeira começam em meados de agosto e estendem-se até outubro. Em nenhuma outra parte do mundo duram tanto tempo. Como será compreensível, dado o universo de microclimas e cotas de altitude, as uvas amadurecem primeiro a Sul (nas cotas mais baixas), estendendo-se para Oeste e para Norte, acompanhando as curvas de nível. O Sercial, no Jardim da Serra, é o último a ser colhido (primeira semana de outubro), dado estar a cotas superiores a 800 metros.

O Vinho Madeira é elaborado exclusivamente com uvas produzidas na Região Demarcada da Madeira. A designação para a denominação de origem protegida (DOP) é, porém, “Madeira” ou “Vinho da Madeira”. Tem características sui generis, quer na sua componente organolética, quer nas técnicas de vinificação e de envelhecimento.

Já com vários séculos de evolução no que toca às técnicas de produção, é hoje um vinho licoroso com grau alcoólico situado entre 17 e 22 % alc. vol., em que a fermentação natural do mosto das uvas é interrompida por adição (fortificação) de álcool neutro vínico a 96% vol. As principais castas tintas são: a Tinta Negra, o Bastardo e a Complexa. No que toca às castas brancas, são: o Sercial, o Verdelho, o Terrantez, o Boal e a Malvasia de São Jorge. O Vinho Madeira distingue-se dos restantes vinhos generosos pela sua acidez e pela sua grande longevidade, que pode ir além de duzentos anos, sem perda significativa das suas propriedades organoléticas.

O controlo da qualidade das uvas é hoje feito desde a montante, na vinha, até à altura da vindima em função do grau de maturação pretendido. O tempo entre a apanha e o processamento é cada vez mais curto, graças ao forte investimento feito em estradas, túneis e caminhos rurais.

As diferentes castas são colhidas separadamente, para produzir, numa fase inicial, vinhos monovarietais. O processo de vinificação e de envelhecimento também varia consoante se trata de variedades brancas ou tintas.

As uvas desengaçadas e, geralmente, esmagadas são bombadas para lagares, tanques ou prensas, conforme se queira fazer mais ou menos maceração e extração. A fermentação alcoólica ocorre com as leveduras indígenas, sendo a sua cinética controlada pelo frio. O objetivo é o de se conseguir fermentar um grau de álcool por dia. Os vinhos secos e o Sercial normalmente fermentam 8 a 10 dias, os meios secos e o Verdelho de 6 a 8 dias, o meio doce e o Boal de 4 a 6 dias, o doce e o Malvasia cerca de 4 dias.

É através da adição do álcool neutro vínico a 96% v/v que se interrompe a fermentação alcoólica, elevando o grau do vinho a 17% v/v e obtendo-se a doçura desejada em cada casta, graças aos açúcares residuais que não são transformados em álcool. Esta operação é chamada de fortificação. É a quantidade de açúcares residuais obtidos que determinam a doçura de cada casta ou vinho. Apesar de serem classificados pela legislação em vigor, quanto ao tipo (extra seco, seco, meio seco, meio doce e doce) pela graduação Baumé, poderemos considerar em média, para cada tipo de vinho, as seguintes quantidades de açúcares residuais:

Extra secoaté 30 gr / litro
Seco e Sercial30 a 50 gr/ litro
Meio seco, Rainwater e Verdelho55 a 70 gr / litro
Meio doce e Boal75 a 95 gr / litro
Doce e Malvasiamais de 100 gr / litro

Cf. Caderno de Especificações: DO “Madeira” PDO-PT-A0038.

Depois da fortificação, ocorre a clarificação com bentonites e gelatinas, de modo a remover as impurezas e proteínas dos vinhos. Com o vinho limpo, constituem-se os chamados lotes de vindima, nas várias castas e estilos. Após análises físico-química e organolética, determinam-se quais os vinhos que irão ser submetidos ao processo de envelhecimento oxidativo, segundo o processo natural (canteiro) ou segundo o processo artificial (em estufas).

O envelhecimento oxidativo transforma os aromas florais e frutados dos vinhos em notas evoluídas de compota e especiarias. Inicialmente, os vinhos brancos e rosé têm cores palha ou amareladas e, no caso dos vinhos tintos, cores vermelhas. No final, todos ficam com cores douradas e âmbares, mais ou menos carregadas, consoante a caramelização dos açucares e a percentagem de perda do volume. Esta é originada pela evaporação do vinho, com consequente aumento do seu extrato seco, do álcool, dos ácidos e da glicerina.

Existem dois sistemas de envelhecimento devidamente legislados:

1 – sistema de estufagem, sendo os vinhos aquecidos por serpentinas ou camisas onde circula água quente, durante um período mínimo de 3 meses, a uma temperatura máxima de 50°C. O vinho com DO “Madeira”, produzido através do processo de estufagem, só pode ser engarrafado (e como tal comercializado) decorridos, pelo menos, 3 anos. Isto acontece após a estufagem,. mas nunca antes de 31 de outubro do segundo ano seguinte à vindima;

2 – sistema de canteiro, em que o vinho envelhece à temperatura ambiente. Normalmente, a temperatura média anual é de 21ºC. O vinho com DO “Madeira”, produzido através do processo de canteiro, só é considerado ter condições para engarrafamento decorridos, pelo menos, 3 anos. A contagem deste período não pode ser iniciada antes de 1 de janeiro do ano seguinte ao da vindima.

No primeiro sistema, o vinho pode começar a ser utilizado para loteamento no 2º ano, após a vindima. No de canteiro, envelhece geralmente por um mínimo de 4 anos, antes de começar a ser engarrafado. Os cascos ou pipas, na Madeira, chamam-se “pipas canteiras” e têm, em média, 650 litros. Normalmente, estas vasilhas, algumas centenárias, são de carvalho americano e uma minoria de carvalho francês e português, sendo algumas de “castanho” (madeira de castanheiro). Os cascos mais antigos não transmitem taninos da madeira, funcionando como um “concentrador”, devido à desidratação provocada pela colocação dos canteiros em ambientes quentes e secos.

Nos armazéns de sol ou andares mais altos junto aos sótãos, nos prédios das adegas, o vinho vai concentrando e perdendo volume (6 a 8% por ano). Ao mesmo tempo, os aromas primários e secundários complexam. Transformam-se em aromas de compota, fruta cristalizada e frutos secos. Os açucares residuais caramelizam e o álcool oxida, dando notas de brandy.

À medida que os anos vão passando, o vinho vai ficando mais complexo e concentrado, mais balsâmico com bouquet a especiarias e notas empireumáticas, lembrando tabaco e madeiras exóticas como o cedro. Após um intervalo de estágio prolongado, as perdas ou quebras podem atingir 80% do volume inicial. Para minimizar estas quebras por evaporação, todos os anos procede-se aos “atestos”. Tal significa completar o volume dos cascos até cerca de 96%, sacrificando um do mesmo ano e casta para completar os outros. Outra técnica é a gestão dos locais dos canteiros, movendo os vinhos dos armazéns mais quentes para outros mais frescos e, por vezes, colocando os vinhos em vasilhas de maior capacidade (tonéis e cubas), onde a quebra por evaporação é menor.

Essencialmente, existem dois tipos de vinhos:

1- Os de idade média ou Blend’s que podem ser de 3, 5, 10, 15, 20, 30, 40, 50 e mais anos, com ou sem indicação de casta. No caso de indicar a casta, terá de ter no mínimo 85% da casta mencionada na rotulagem.

2- Com indicação de idade. Poderão ser colheitas, se envelhecerem no mínimo 5 anos em casco, ou frasqueiras, se ficarem no mínimo durante 20 anos em sistema de canteiro, de um só ano e casta.

É no envelhecimento que se faz toda a diferença, dado que, no mínimo, os vinhos descansam geralmente 3 anos, se estufados (aquecidos a um máximo de 50ºC, durante um período mínimo de 3 meses) ou 4 anos, se em sistema de canteiro. Neste caso, são sujeitos à temperatura ambiente média de 21ºC em cascos, cuja função é a de concentrar ácidos, açucares, álcool e extrato seco, adquirindo o bouquet característico. Os frasqueiras envelhecem em casco, no mínimo 20 anos, antes de serem engarrafados. Os Vinhos Madeira são únicos e completamente estabilizados ao ar, pelo que são extremamente estáveis, desde que devidamente rolhados e protegidos da luz solar direta.

A tendência a melhorar, para além dos cem anos de idade, confere a este vinho uma temporalidade própria. As garrafas mais antigas, que estão ainda por abrir, incorporam técnicas de vinificação e castas caídas no esquecimento desde longa data, os que as torna verdadeiras cápsulas do tempo.

Fonte: Albuquerque, F.; Teixeira, J.; Silva, A. J. M.; Santos, R. A. N. (no prelo), “Madeira: o vinho que nasceu no mar. Terroir, história, características, processos, agentes, degustação e turismo”. In CAEC (ed.), Macaronesia: islas del vino, La Laguna, Espanha: Cátedra de Agroturismo y Enoturismo de Canarias.

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