a Salvaguarda

Entende-se por “salvaguarda” as medidas que visam assegurar a viabilidade do património cultural imaterial.

Medidas levadas a cabo pela Universidade da Madeira

Ao longo das últimas décadas, a Universidade da Madeira tem vindo a desenvolver vários projetos à volta do Vinho Madeira, seguindo diferentes abordagens disciplinares, alguns deles estando ainda em curso.

O Departamento de Línguas, Literaturas e Culturas da Faculdade de Artes e Humanidades está envolvido, desde longa data, num projeto que visa o estudo do património etnolinguístico do vinho e da vinha (entre outros), no quadro da elaboração do Atlas Linguístico-Etnográfico da Madeira e do Porto Santo. Esta mesma faculdade alberga o Centro de Investigação em Estudos Regionais e Locais – CIERL, que desenvolve uma linha de investigação dedicada à Paisagem, Património, Memória e Identidade, o que inclui a componente vinhateira dessa mesma paisagem, bem como as heranças que lhe estão associadas. No que toca à história do Vinho Madeira, devemos referir os trabalhos de Maria Benedita Prado de Almada Cardoso Câmara (Faculdade de Ciências Sociais, CEEAplA), que estudou a evolução do seu comércio ao longo do século XIX e início da centúria seguinte, focando particularmente a intervenção estatal nesta indústria.

Devemos também mencionar vários projetos na área da vitivinicultura, executados pelo Isoplexis, em colaboração com outras entidades.

De 2018 a 2021, este laboratório da UMa levou a cabo o projeto IMPACT III: – Impacto da Tecnologia na Qualidade do Vinho Madeira (PROCiência2020: M1420-01-024-FEDER-000024), em colaboração com a Madeira Wine Company. O objetivo foi estudar o envelhecimento do Vinho Madeira em sistema de canteiro, nomeadamente a forma como as perdas por evaporação beneficiam o seu sabor durante esta fase do processo.

O Isoplexis esteve também à frente do projeto “PCUSVitis: Certificação, valorização económica e gestão de coleções de materiais de propagação vegetativa da videira na Região Autónoma da Madeira” (PRODERAM 2020, Projeto 1424.10.2.0), entre 2019 e 2021, em parceria com o Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária e a Direção Regional de AgriculturaSecretaria Regional de Agricultura e Pescas.  O objetivo era certificar algumas das castas usadas para produzir o Vinho Madeira, levando a cabo a sua cultura em ambientes controlados, através de várias estratégias complementares.

Entre 2019 e 2022, este laboratório também participou no projeto “APOGEO MAC – Agricultura de precisão para o melhoramento da produção de vinho na Macaronésia” (PCT-MAC 2014-2020), liderado pela Universidad de Las Palmas de Gran Canaria, em colaboração com o Instituto de Productos Naturales y Agrobiología (IPNA) del CSIC, a Dirección General de Agricultura del Gobierno de Canarias, o Cabildo Insular de Gran Canaria e o Cabildo Insular de La Palma. Trata-se de uma transferência de tecnologia que visa facultar aos agricultores um sistema de monitorização de baixo custo. Permite-lhes controlar o estado vegetativo dos seus vinhedos com recurso a sensores aerotransportados por drones, transmitindo informação em tempo real, através de uma aplicação móvel.

Entre 2019 e 2023, o projeto VERCOCHAR (MAC2/3.5b/307) permitiu, por sua vez, explorar o potencial dos vermicompostos (composto e biochar), enquanto ferramentas para a adaptação às alterações climáticas e na prevenção e mitigação dos efeitos derivados dos riscos naturais no meio agrícola e florestal. Os resultados podem ajudar a melhorar as práticas vitícolas. Devemos também referir, nesta mesma linha de ação, o projeto FRUTTMAC, MAC2/1.1b/310 (2019 – 2023), que visava a transferência de conhecimento para o desenvolvimento sustentável da fruticultura subtropical na Macaronésia.

Neste mesmo período, o Isoplexis esteve à frente do projeto CUARENTAGRI (MAC2/1.1a/231), tendo por objetivo a investigação, identificação, análise de risco, formação e sensibilização sobre potenciais pragas de quarentena e pragas de não quarentena dos principais cultivos na Macaronésia.

Presentemente, este laboratório tem em curso mais dois projetos focados na sustentabilidade ecológica das práticas agrícolas. Trata-se, em primeiro lugar, do BIO-VALOR Proderam 2551.16.1.2. (2022-2025), que poderá ajudar a incrementar a produção biológica de uvas. Esta é difícil de implementar a larga escala, devido às condições climáticas na Região Autónoma, muito desfavoráveis a este tipo de abordagem. É também de referir o projeto Agrosus-101084084, iniciado em 2023 e que finalizará em 2027, centrado na gestão sustentável das sementes endógenas, com base no desenvolvimento de novas estratégias agroecológicas.

São também de salientar os projetos de investigação desenvolvidos na UMa e no Centro de Química da Madeira (CQM), que têm permitido conhecer aprofundadamente, e com base no conhecimento científico, as caraterísticas sui generis do Vinho Madeira.  São vários os projetos europeus, coordenados quer pelo Prof. José S. Câmara, quer pelo Prof. José Carlos Marques, que têm contribuído para desvendar, de forma científica, o empirismo do Vinho Madeira, dos quais podemos realçar, entre outros:

i) o projeto  ANTIVINMAC que teve como objetivo avaliar o potencial antioxidante, o teor de aminoácidos e de aminas biogénicas presentes nos vinhos da região da Macaronésia, incluindo o Vinho Madeira;

ii) o projeto VINSAUDEMAC em que se pretendeu avaliar o efeito bioativo dos vinhos na prevenção das doenças ateroscleróticas, oncológicas e neurodegenerativas, focando-se na implementação de processos de vinificação para otimizar o potencial antioxidante dos vinhos; 

iii) o projeto AVC-MAC-CV que teve como objetivo o estudo dos efeitos protetores de vinhos ricos em compostos polifenólicos na evolução de biomarcadores cardiovasculares. Estes trabalhos foram coordenados pelo Prof. José S. Câmara, que realizou o seu projeto de doutoramento em Química com um estudo sobre a caracterização analítica das castas nobres produtoras de Vinho Madeira, nomeadamente em termos de composição volatilomica, quer das uvas quer dos Vinhos Madeira correspondentes.

O Prof. José Carlos Marques foi também responsável pela coordenação de alguns projetos na temática do Vinho Madeira:

i) projeto CARVINMAC, no qual foi feita a caracterização de vinhos produzidos com castas autóctones da Madeira, Açores e Canárias;

ii) e os projetos IMPACT I e IMPACT II, nos quais foi avaliado o impacto das tecnologias de produção na qualidade dos Vinhos Madeira.

Estes projetos, entre vários outros, constituíram-se como suporte para a realização de 9 teses de doutoramento (6 concluídas e 3 em curso) até à atualidade, e diversas teses de Mestrado e Estágios Supervisionados (estágios científicos de fim do 1º Ciclo).

Dos estudos realizados na temática do Vinho Madeira, foram publicados mais de 7 dezenas de artigos científicos em revistas internacionais com fator de impacto e peer-review dos quais resultaram alguns milhares de citações. Os trabalhos desenvolvidos têm igualmente sido divulgados pelos 4 cantos do mundo em diversas conferências internacionais e nacionais, quer na forma de comunicação oral quer na forma de painel.

Estes estudos têm contribuído para obter conhecimentos sobre as transformações químicas e sensoriais, que ocorrem quer durante a produção quer durante o envelhecimento do Vinho Madeira. Têm impacto na produção de vinhos de elevada qualidade, preservando as tradições culturais e contribuindo para uma compreensão científica mais profunda. Por outro lado, os estudos têm permitido aos produtores de vinho o refinamento de práticas enológicas, como por exemplo ajustar a exposição ao oxigénio e às condições de armazenamento, otimizando desta forma o processo de envelhecimento.

Além disso, os conhecimentos gerados podem originar o desenvolvimento de novos produtos, com perfis de envelhecimento personalizados, satisfazendo a procura dos consumidores e contribuindo igualmente para preservar e promover o património associado a estes vinhos. Constitui-se, assim, como uma ferramenta útil no desenvolvimento e refinamento de modelos preditivos para o envelhecimento e armazenamento de vinhos, beneficiando pesquisas mais amplas e aplicações práticas.

Ao longo dos últimos anos, o polo Madeira do Centro de Investigação, Desenvolvimento e Inovação em Turismo (CITUR-Madeira) também tem vindo a acolher projetos que visam a definição de estratégias sustentáveis, no desenvolvimento do turismo enogastronómico na região.

Desde 2021, esta unidade de I&D integra o projeto internacional “OLIVE4ALL – Olive Heritage for Sustainable Development: Raising Community Awareness of Living Heritage”, financiado pelo programa europeu ‘Joint Programming Iniciative Cultural Heritage and Global Change (JPI CH)’. Esta candidatura, apresentada no quadro do concurso “Cultural Heritage, Identities & Perspectives: Responding to Changing Societies (CHIP)”, obteve a melhor classificação de um total de 90 submetidas. Se bem que centrada na salvaguarda dos patrimónios em torno da cultura da oliveira, investigadores desta unidade de I&D (António José Marques da Silva: AJMS, Rossana Santos: RS, Bruno Sousa: BS) efetuaram um estudo comparativo focado no Vinho Madeira, em colaboração com a Madeira Wine Company. Nesse mesmo ano, AJMS iniciou uma observação participante no seio dessa empresa, em diferentes atividades relacionadas com a produção de Vinho Madeira, bem como a sua patrimonialização. Também tem em curso um projeto com o enólogo da empresa, Francisco Albuquerque, que visa replicar a técnica de vinificação do Vinho Madeira do final do século XVIII.

Em 2024, três dos investigadores do CITUR-Madeira (AJMS, Naidea Nunes Nunes: NNN, RS) juntaram esforços para um novo projeto de investigação, financiado pela FCT. Este visa preservar as tradições enológicas e culinárias da Madeira, através do turismo cultural e do “Slow turismo”. O cuscuz, o peixe seco e o Vinho Madeira foram os casos de estudo, selecionados para serem levados a cabo.

O primeiro resultado deste projeto foi a inscrição dos dois primeiros produtos e da casta Malvasia Cândida na Arca do Gosto da Fundação Slow Food. Esta organização internacional, fundada em Itália, em 1986, tem por missão proteger os ingredientes e preparações culinárias, bem como as técnicas de cultivo e de processamento herdadas do passado. A sua ação estende-se, a montante, à salvaguarda das espécies vegetais e animais e, a jusante, das identidades culturais alicerçadas nas tradições culinárias e enogastronómicas locais. Inscreve-se numa lógica de sustentabilidade ecológica, social e cultural, capaz de potenciar o bem-estar das comunidades portadoras destas heranças.

Após um rigoroso processo de avaliação, a Slow Food oficializou as três primeiras nomeações a representar a Região Autónoma da Madeira neste inventário global. Criado há 22 anos, conta hoje com mais de 5000 produtos oriundos de 150 países, 576 dos quais já foram alvo de medidas concretas, visando travar o seu desaparecimento.

Está igualmente em curso a conceção de uma plataforma digital, no quadro deste mesmo projeto, em colaboração com Eduardo Marques (FCE da UMa – CITUR). Esta visa facultar aos viticultores a capacidade de atrair turistas interessados em participar numa vindima, durante a sua estadia na Região Autónoma. Este tipo de experiências tem uma procura crescente, mas esta oportunidade ficava até agora fora de alcance dos pequenos agricultores que não dispõem dos meios de divulgação para este tipo de oferta. Poderão, assim, complementar os seus rendimentos de todo o trabalho de um ano a cuidar da vinha até à vindima, à semelhança do que fazem as casas de Vinho Madeira há muito tempo. 

Créditos: C. M. de Câmara de Lobos.

Medidas levadas a cabo pelos nossos parceiros

O Vinho Madeira está protegido por leis regionais enquanto denominação geográfica, o que garante que continue a ser produzido com uvas locais, segundo as técnicas tradicionais. Existem diversas organizações governamentais e não-governamentais que desenvolvem estratégias de salvaguarda, há décadas, para garantir a sua continuidade e também a do património imaterial relacionado.

O Instituto do Vinho, Bordado e Artesanato da Madeira (IVBAM) tem um papel importante no acompanhamento da atividade das adegas e dos viticultores. Os principais objetivos desta organização são garantir que os métodos de produção estejam de acordo com o enquadramento legal e dar apoio técnico às partes envolvidas. A Câmara dos Provadores mantem a tradição viva, ao validar que o vinho tenha uma paleta de sabores e outras características em harmonia com o “saber apreciar” vigente.

Outra vertente da ação do IVBAM consiste na concessão de subsídios aos agricultores, complementando o preço da uva pago pelas adegas. Promove também campanhas de promoção do Vinho Madeira no exterior.

A Secretaria da Economia, do Turismo e da Cultura organiza um festival com periodicidade anual – A Festa do Vinho –, dedicado ao Vinho Madeira. Este evento cultural e etnográfico, que ocorre durante as vindimas, realiza-se tanto nas ruas do Funchal como nas vinhas e adegas em zonas rurais, nomeadamente no Estreito de Câmara de Lobos.

As empresas exportadoras também organizam eventos relacionados com o ciclo da viticultura, ao longo de todo o ano. Abrem as portas das suas instalações aos visitantes. Dão, assim, continuidade à tradição ancestral, tornando-os desta forma embaixadores do Vinho Madeira.

Nas últimas décadas, o Centro de Estudos de História do Atlântico desenvolveu projetos de investigação e promoveu encontros internacionais relacionados com a história do Vinho Madeira.

Existe também a Confraria Enogastronómica da Madeira, que leva a cabo um programa próprio para defender, preservar, promover, divulgar, homenagear e valorizar o património enogastronómico da região, nomeadamente o saber-fazer e as tradições imateriais que lhe estão associadas.

Créditos: SRTC

O Museu da Vinha e do Vinho, situado na freguesia do Arco de São Jorge (concelho de Santana), é uma antiga adega recuperada, que dispõe de utensílios utilizados na viticultura, maioritariamente doados pela população local. Foram restaurados três lagares, que oferecem aos visitantes a possibilidade de descobrir o processo tradicional de vinificação. Este espaço cultural está inserido na Rota dos Vinhos da Madeira, dando a conhecer paisagens vinícolas, adegas e outros patrimónios edificados e acervos relacionados com o Vinho Madeira.

Existe ainda um Museu do Vinho no Funchal, sob a alçada do IVBAM. Também o Museu Etnográfico da Madeira (concelho da Ribeira Brava) dispõe de uma sala dedicada a esta temática. Recentemente, o município de Câmara de Lobos iniciou um projeto que tem como objetivo a criação de um Museu do Vinho e da Viticultura. Este centro interpretativo, que ficará localizado no Estreito de Câmara de Lobos, será um espaço interativo para a celebração da vivência e da história dos habitantes desta freguesia, com forte ligação à vinha e ao vinho.

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