a Carta do Vinho Madeira

Carta para a Salvaguarda das Tradições do Vinho Madeira apresentada no encontro Viticultura e Tradições do Vinho Madeira: para um plano de salvaguarda, Centro Cívico do Estreito de Câmara de Lobos (Ilha da Madeira, Portugal) – 14/12/2024.

No encontro Viticultura e Tradições do Vinho Madeira: para um plano de salvaguarda, Estreito de Câmara de Lobos (Ilha da Madeira, Portugal) – 14/12/2024, todos os presentes fisicamente ou remotamente por videoconferência, em nome próprio ou em representação de grupos e comunidades interessados na inscrição das tradições do Vinho Madeira na Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade da UNESCO, adotaram o seguinte:

Introdução/preâmbulo          

– As tradições do Vinho Madeira são uma parte essencial da herança cultural da Comunidade Patrimonial do Vinho Madeira e um elemento definidor da identidade dos seus membros.

– As tradições do Vinho Madeira devem ser salvaguardadas enquanto herança cultural viva.

– As medidas de salvaguarda   das tradições do Vinho Madeira devem basear-se nos princípios da Convenção da UNESCO para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial.

– As medidas de salvaguarda  das tradições do Vinho Madeira devem basear-se na Agenda 2030 das Nações Unidas para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

– As medidas de salvaguarda das tradições do Vinho Madeira, enquanto património cultural vivo, devem basear-se nas melhores práticas, em prol da sustentabilidade ecológica, cultural, económica e social e de um ambiente favorável.

– As medidas de proteção das tradições do Vinho Madeira devem respeitar os direitos de todas as comunidades, grupos e indivíduos envolvidos.

– As tradições do Vinho Madeira são frágeis. Devem ser adotadas medidas de salvaguarda, com recursos e apoios relevantes, para garantir a sua transmissão às próximas gerações.

Objetivos         

Artigo 1º Objetivo

O objetivo da presente carta é contribuir para a salvaguarda das tradições do Vinho Madeira, enquanto património cultural vivo da Comunidade Patrimonial do Vinho Madeira, da Região Autónoma da Madeira e de Portugal como Estado Parte interessado.

Artigo 2.º Princípios orientadores

Os princípios orientadores da transferência e transmissão das tradições do Vinho Madeira devem ser definidos pela Comunidade Patrimonial do Vinho Madeira. Contribuirão para a salvaguarda do saber-fazer, do conjunto das práticas sociais e das práticas culturais relacionadas. Contribuirão igualmente para a salvaguarda das áreas de vinha, da paisagem vitícola, do património filogenético, do património arquitetónico, do património etnológico, dos documentos históricos e obras artísticas e de outros tipos de legados culturais relativos ao Vinho Madeira em Portugal e noutros países onde esta bebida seja igualmente apreciada.

Definições      

Artigo 3.º O Vinho Madeira

A Madeira é o território mais meridional de Portugal, situado no meio do Atlântico. Após a sua descoberta, por volta de 1419, os colonos introduziram a Vitis vinifera, transformando gradualmente o vinho na sua principal moeda de troca durante os séculos seguintes. Apesar de o turismo ser o motor da economia desde o século XX, o chamado Vinho Madeira ainda hoje é produzido. É feito exclusivamente com cultivares locais, maioritariamente Tinta Negra, Sercial, Boal, Verdelho e Malvasia, permitindo obter uma paleta completa de sabores, do seco ao doce, e um teor alcoólico entre os 17º e os 22º. O processo de vinificação foi sendo aperfeiçoado ao longo dos séculos, resultando numa bebida fortificada naturalmente (canteiro) ou pelo calor (estufagem), melhorando muito com o envelhecimento, por vezes até mais de cem anos. Este vinho histórico continua hoje a ser exportado para todo o mundo, pelas mãos de algumas adegas abastecidas pelas numerosas vinhas de pequena dimensão da ilha, sendo muito importante para os camponeses manterem o seu estilo de vida. É o legado cultural mais identificável da Madeira no estrangeiro, sendo apreciado desde há séculos em vários países da Europa, América, África e Ásia, sendo utilizado como bebida e, também, como ingrediente culinário.

Artigo 4.º A Comunidade Patrimonial do Vinho Madeira  

O Vinho Madeira é importante para a identidade não só de uma, mas de várias comunidades e grupos. Em primeiro lugar, temos de referir os habitantes do arquipélago, onde o seu saber-fazer se perpetua há mais de 250 anos, e a diáspora madeirense espalhada pelo Mundo. A Comunidade Patrimonial do Vinho Madeira inclui também muitos membros que se identificam com esta herança, mas que não têm ascendência madeirense e não vivem no arquipélago da Madeira. É um conjunto muito difuso e heteróclito de indivíduos, grupos e comunidades, espalhados por mais de 60 países em todos os continentes. Todos os indivíduos, grupos e comunidades envolvidos no seu saber-fazer, “saber contar” e “saber apreciar” formam a Comunidade Patrimonial do Vinho Madeira, independentemente do seu local de residência.

Artigo 5.º Cultura imaterial e tradição viva

As tradições do Vinho Madeira devem ser entendidas como um património cultural imaterial partilhado pela Comunidade Patrimonial do Vinho Madeira. A dimensão imaterial desta tradição enológica reside não só no vasto saber-fazer que a torna única, mas também num “saber apreciar” e num “saber contar” muito antigos, aperfeiçoados por cada geração. O saber-fazer relacionado com a produção do Vinho Madeira está nas mãos de um pequeno grupo de viticultores e vinicultores intimamente ligados a um micro terroir com pouco mais de 400 hectares. O “saber apreciar” é partilhado por um vasto grupo de aficionados, espalhados por todos os continentes. O “saber contar” é, por sua vez, o que dá a todos os intervenientes o sentimento de pertencerem a uma mesma comunidade patrimonial, apesar do oceano que os separa e de ser uma comunidade dispersa pelo mundo. É fundamentalmente uma forma consensual e agregadora de explicar o Vinho Madeira, que localiza a sua origem não em terra, mas no mar. A narrativa constrói-se em torno de um feliz acidente que levou à descoberta do efeito benéfico do aquecimento no vinho, após várias viagens de barco nos trópicos. O calor, elemento humoral dos antigos, é assim elevado a princípio básico do processo de envelhecimento que torna o Vinho Madeira único. Serve de fio condutor entre o grau zero desta tradição que é o lendário “vinho de roda” e os métodos de produção atuais. Esta narrativa criacionista, aperfeiçoada ao longo de várias gerações, confere a todos um sentido de identidade e continuidade.

Artigo 6.º Localização geográfica e área de distribuição

A maioria dos madeirenses, mulheres e homens, considera o elemento como uma parte significativa do seu património cultural e participa em práticas relacionadas com o Vinho Madeira. Inclui tanto os que vivem na ilha como os emigrados que residem noutros países, o que lhes dá um forte sentido de comunidade. No estrangeiro, o Vinho Madeira é significativo para várias comunidades da América, Europa, África e Ásia ligadas a esta ilha portuguesa há séculos, que o utilizam nas suas práticas sociais e culturais como bebida e/ou como elemento culinário há muito tempo.

Artigo 7.º Definição pormenorizada no documento de nomeação

A principal fonte para uma definição abrangente das tradições do Vinho Madeira encontra-se no documento “Tradições do Vinho Madeira”, inscrição:

“UNESCO, _________, secção 1. Identificação e definição do elemento”.

Artigo 8.º Transmissores de tradições enquanto guardiães do património cultural

O património cultural imaterial relacionado com as tradições do Vinho Madeira é gerido e perpetuado pelos transmissores da tradição e pelos próprios praticantes. Estes têm o direito de reconhecer as tradições do Vinho Madeira como parte do seu património cultural e um elemento essencial da sua identidade. Este facto deve constituir a base em que assentam os princípios das medidas de salvaguarda.

Salvaguarda através de práticas

Artigo 9.º Salvaguarda através de práticas e técnicas, culturais e sociais

O princípio fundamental para a transmissão de conhecimentos sobre as tradições do Vinho Madeira é a salvaguarda através de práticas e técnicas, culturais e sociais, relacionadas com a cultura da vinha, a vinificação, a degustação, os usos culinários, as obras artísticas e as manifestações festivas.

Artigo 10º Conhecimentos tradicionais

O conhecimento das tradições do Vinho Madeira tem sido transmitido de geração em geração. Esta perspetiva constituirá a base do futuro trabalho de salvaguarda. Na medida do possível, as técnicas de cultivo, colheita, transformação, envelhecimento, degustação e cozinha, quando o Vinho Madeira é utilizado como ingrediente culinário, devem basear-se nos conhecimentos tradicionais transmitidos no seio da Comunidade Patrimonial do Vinho Madeira.

Artigo 11.º Sustentabilidade e agroecossistema

Para que a tradição se mantenha, a fileira do Vinho Madeira deve ser sustentável. Para isso, os elos mais frágeis da cadeia devem ser acompanhados e apoiados, especialmente os viticultores. A carta deve incentivar programas que garantam a continuidade da tradição, de forma sustentável do ponto de vista económico, social e cultural, sendo justa para todos os intervenientes, especialmente para os mais vulneráveis. Devem também contribuir para a sustentabilidade ambiental, tendo efeitos virtuosos na paisagem e no ecossistema.

Recursos, apoio e condições subjacentes

Artigo 12.º Recursos, apoio e condições subjacentes

Para assegurar as melhores práticas na promoção das tradições do Vinho Madeira, os membros da Comunidade Patrimonial do Vinho Madeira devem ser apoiados, na medida do possível, no que diz respeito a todos os aspetos envolvidos na salvaguarda do processo de cultivo e vinificação, garantindo que a matéria-prima, o processo de produção e o resultado final respeitam a matriz do saber-fazer tradicional. O apoio será educativo e técnico, a fim de proporcionar uma base sólida para a aquisição dos conhecimentos, competências e práticas de aprendizagem necessários. Será também financeiro, quando necessário, para permitir que os membros da Comunidade Patrimonial do Vinho Madeira, em particular os viticultores, possam enfrentar a incerteza das colheitas cada vez mais ameaçadas pelas alterações climáticas, o declínio da viticultura face à pressão demográfica, o aumento do valor imobiliário das terras devido à atratividade da Região Autónoma da Madeira como destino turístico, e a falta de valorização social da agricultura pelas novas gerações. Os apoios devem ter como foco principal as boas práticas agrícolas e o ambiente, dando destaque à responsabilidade ecológica dos produtores. Pois, trata-se de um aspeto muito importante, num território onde a vinha, em alguns casos, coabita com a Floresta Laurissilva, património único a nível mundial.

Artigo 13º Os Estados Partes são formalmente responsáveis

De acordo com a Convenção da UNESCO para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial da Humanidade, Portugal, enquanto Estado Parte que apoiou a inscrição das tradições do Vinho Madeira na Lista Representativa do Património Cultural Imaterial, tem a responsabilidade formal de tomar as medidas necessárias para assegurar a salvaguarda do Património Cultural Imaterial existente no seu território. Por salvaguarda entende-se aqui as medidas destinadas a assegurar a viabilidade das tradições do Vinho Madeira, incluindo a identificação, documentação, investigação, preservação, proteção, promoção, valorização, transmissão, nomeadamente através da educação formal e não formal. Considerando a autonomia do arquipélago da Madeira, reconhecida pela Constituição portuguesa, as instituições regionais têm de ser envolvidas na implementação de tais ações.  Devem fazê-lo com a maior participação possível de todas as comunidades, grupos e indivíduos que criam e mantêm conhecimentos e práticas relacionados com as tradições do Vinho Madeira. Assim, a Comunidade Patrimonial do Vinho Madeira deve estar totalmente envolvida.

Artigo 14º Envolvimento da Universidade da Madeira

A Universidade da Madeira colaborará com o Governo de Portugal enquanto Estado Parte e com o Governo da Região Autónoma da Madeira, em representação da Comunidade Patrimonial do Vinho Madeira, no âmbito de programas que visem a salvaguarda das suas tradições. A Universidade da Madeira colaborará com outras organizações internacionais, nacionais, regionais e locais, governamentais e não governamentais, para implementar medidas de salvaguarda. Todas as partes envolvidas assumirão em conjunto esta missão, através de ações que permitam a identificação, documentação, investigação, preservação, proteção, promoção, valorização e transmissão, nomeadamente através da educação formal e não formal, das tradições do Vinho Madeira. A Universidade da Madeira contribuirá também ativamente para a mediação de eventuais conflitos de interesses entre os membros da Comunidade Patrimonial do Vinho Madeira.

Artigo 15º Documentos oficiais

A par da Convenção da UNESCO para a Proteção do Património Cultural Imaterial, a Carta das Tradições do Vinho Madeira tem por base a inscrição das tradições do Vinho Madeira na Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade da UNESCO. Com referência ao documento: “Tradições do Vinho Madeira, inscrição, UNESCO, ____”.

Estes dois documentos, a Convenção e o texto da inscrição, devem ser entendidos como os documentos de referência para os futuros trabalhos de salvaguarda e gestão das tradições do Vinho Madeira. A Carta toma efeito quando as tradições do Vinho Madeira ficam inscritas na Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade da UNESCO.

Artigo 16º Planos de conservação internacionais e nacionais

As disposições da presente Carta devem ser acompanhadas de planos de salvaguarda periódicos a nível nacional. Estes planos devem seguir o calendário de apresentação de relatórios do Governo da República portuguesa à UNESCO. Deverão ser explicitados quais as medidas e os programas que foram implementados.

Assim, assegura-se a boa salvaguarda e a boa gestão das tradições do Vinho Madeira sob os auspícios das autoridades responsáveis e da Comunidade Patrimonial do Vinho Madeira, representada pela Universidade da Madeira.

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