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Pagar as uvas a um preço mais justo ajuda, mas só por si não cria vocações que possam levar as novas gerações a se dedicarem à viticultura.

Ao longo das últimas décadas, são vários os fatores que têm contribuído para o recuo da cultura da vinha aos patamares altimétricos mais elevados, atingindo hoje a cota dos 800 metros em certas zonas da Madeira. A paisagem fortemente antropizada depende diretamente da continuidade da vitivinicultura, para poder ser transmitida às gerações futuras. E, em última análise, é dela que depende a preservação da paisagem madeirense no seu todo.

O abandono do cultivo da vinha, que tem vindo a acentuar-se, põe em perigo a sustentabilidade dos solos, favorecendo a sua erosão e a progressão de espécies invasoras, muito mais inflamáveis do que a floresta endémica que ocupava estes espaços antes da sua antropização. A continuidade da viticultura é particularmente importante nas zonas mais altas, contribuindo para diminuir os riscos de propagação de incêndios. Mesmo que o setor seja hoje pouco significativo para o Produto Interno Bruto da região, quando comparado com o do turismo, não deixa de ser uma atividade estruturante para a atratividade do destino.

Os rendimentos da viticultura são também vitais para a continuidade do estilo de vida dos agricultores, do qual depende muitas das tradições que moldam a identidade madeirense. A viticultura depende, por sua vez, das tradições do Vinho Madeira para sobreviver e do seu bom nome lá fora. É precisamente a sua forte componente imaterial e o seu longo passado de consumo noutras partes do mundo que torna esta indústria de pequena escala resiliente, num contexto de mudança global que lhe é desfavorável. O teor das entrevistas, levadas a cabo durante a vindima de 2024, evidencia a baixa autoestima e o sentimento partilhado por muitos produtores de falta de visibilidade, resultando numa fraca valorização social do seu trabalho. O envelhecimento do setor é cada vez mais notório e o abandono dos vinhedos uma realidade cada vez mais visível.

As ameaças que pesam hoje sobre as tradições do Vinho Madeira não são propriamente novas. Na verdade, há décadas que as empresas exportadoras e o Governo regional têm tentado encontrar soluções sem, contudo, conseguir travar o abandono dos vinhedos ou convencer os agricultores a proceder à reconversão das suas parcelas. As casas de Vinho Madeira têm tentado valorizar a Tinta Negra, usando-a para fazer vinhos de cinco anos ou mais, com maior valor acrescentado.

Ao mesmo tempo, procuram adquirir terrenos adjacentes, aumentando as áreas exploradas, o que as torna mais rentáveis. Idealmente, o objetivo seria compensar as uvas em falta dos agricultores que desistem pela produção própria. Porém, a natureza minifundiária do emparcelamento e o facto de muitos proprietários estarem emigrados têm travado esta estratégia, por ser impossível concretizar a transferência de propriedade a larga escala. Qualquer tentativa envolve sempre um grande número de intervenientes, na maior parte dos casos estando ausentes, sendo mesmo com frequência impossível localizá-los. Por sua vez, o Instituto do Vinho, Bordado e Artesanato da Madeira subvenciona o preço pago aos agricultores pelas uvas, havendo também apoios para os encorajar a cultivar castas brancas, ditas “nobres”, em vez da Tinta Negra. Contudo, como dizia Chris Blandy, sócio maioritário da MWC, numa entrevista em 2018:

“A agricultura não vive nem consegue ser sustentável através de doações de dinheiro. Os subsídios são importantes, especialmente num contexto de microcultura, mas tem que haver um apoio mais estrutural a longo prazo, que o Estado não está a fazer, e se está não há resultados visíveis. Porém, sente-se a necessidade de um projeto estruturante de modo a salvar esta região”.

Talvez devamos ir até mais longe do que este produtor na sua análise. Será preciso primeiro procurar novas formas de resposta aos desafios com que se vê confrontado este setor. Pagar as uvas a um preço mais justo ajuda, mas só por si não cria vocações que possam levar as novas gerações a se dedicarem à viticultura. De facto, o que está em jogo não é apenas o retorno económico, mas também a valorização social do seu esforço. Falta aprender a lidar com o peso do fator humano na tomada de decisão, que as folhas de Excel com estimativas de rentabilidade não dão conta.

Sendo a vitivinicultura um setor em que intervém desde longa data, a Universidade da Madeira está empenhada em ajudar a encontrar soluções adequadas, o que será determinante para o futuro das tradições do Vinho Madeira.

Por isso, propõe-se desenvolver um projeto de investigação pluridisciplinar em colaboração com as restantes partes envolvidas, tendo não apenas em conta os aspetos económicos, mas também sociais, culturais e ambientais em jogo, fazendo uso das valências muito diversas e do elevado nível de qualificação dos seus recursos humanos. A inscrição no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial será apenas um primeiro passo que permitirá testar até que ponto alavancar a autoestima de quem persiste em dedicar-se à vitivinicultura não será um elemento-chave para a sustentabilidade do setor. O passo seguinte será a elevação das Tradições do Vinho Madeira na Lista do Património Cultural Imaterial da Humanidade.

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