A viticultura na Madeira vista por um viticultor

Discurso do Técnico Agrícola e Viticultor Lino Pinto, no Encontro ‘Viticultura e Tradições do Vinho Madeira’.

Centro Cívico do Estreito de Câmara de Lobos, 14 de dezembro de 2024.

Início da intervenção

Boa tarde a todos os presentes. Antes de mais nada, gostaria de agradecer o convite do Prof. Doutor António Marques Silva e da Prof.ª Doutora Naidea Nunes para participar neste Encontro, em representação dos viticultores madeirenses.

Introdução

Nesta minha intervenção, vou apresentar algumas problemáticas da viticultura madeirense, no geral, e da casta Tinta Negra, em particular.

O Vinho Madeira é o líquido dourado que mais fama tem trazido ao nosso arquipélago. Foi imortalizado em peças escritas, foi servido para brindar em momentos históricos e foi presença obrigatória nos melhores banquetes dos czares russos. A história do Vinho Madeira funde-se com a história da nossa ilha. Mas, esta história é feita de ciclos, uns mais favoráveis e outros menos.

A seguir, vou apresentar 5 pontos sobre os quais peço uma importante reflexão:

1. Envelhecimento dos viticultores / fragmentação das parcelas e a sua transmissão

É um facto que a população vitivinícola está muito envelhecida, e não está a haver renovação por parte dos descendentes dos viticultores. A média de idades, entre os viticultores, é aproximadamente dos 55 aos 75 anos.
A viticultura é uma atividade que exige força, trabalho árduo e sacrifício. Muitos viticultores trabalham por amor à terra e não só pelo rendimento monetário.

Os seus descendentes já têm outras ideias e, após o falecimento dos progenitores, não continuam o legado. Acabam por fragmentar as parcelas, muitas vezes abandonando a atividade, por não chegarem a acordo na divisão dos bens entre os herdeiros.

Por ser um sector de atividade de rendimento variável e nem sempre garantido, muitos viticultores não trabalham exclusivamente a vinha. Esta é apenas um complemento ao seu rendimento.

2. Alterações climáticas

Na atualidade, o clima está muito modificado, em relação ao que era tido como normal e garantido.


Este é um problema que ganha relevância de forma acentuada de ano para ano, com um forte impacto negativo nos estados fenológicos da vinha, desde o abrolhamento até à vindima.


São problemáticas recentes que estão a colocar o futuro da viticultura em risco, desde a rebentação precoce, à fraca rebentação, passando pelos escaldões e a antecipação do início da vindima.


O estudo e a adaptação a estas novas realidades podem ser a chave para ultrapassar este grave problema. Com o início da vindima cada vez mais cedo, se calhar a melhor forma de adaptação seria antecipar os maneios culturais.

3. Fraca valorização da Tinta Negra / reconversão

A Tinta Negra é a casta mais versátil usada no Vinho Madeira. Pois, permite fazer os 4 tipos deste vinho (seco, meio-seco, meio-doce e doce). É usada para os vinhos de entrada de gama (de 3 e 5 anos) e, na atualidade, é um facto que os single cask de Tinta Negra, assim como os frasqueiras e garrafeiras desta casta, têm ganhado mercado e importantes prémios e medalhas.

O Estreito de Câmara de Lobos produz Tinta Negra, seguramente há mais de 250 anos. A vinha não pode ser uma cultura de modas. Não se pode plantar hoje, para cortar amanhã. A vinha não é uma alface, tem um ciclo longo que exige tempo e trabalho. Por isso, é preciso projetar a cultura a longo prazo.

É do conhecimento dos viticultores que o preço da Tinta Negra não sofre grandes oscilações, há pelo menos 25 anos. Apenas, no último ano, se evidenciou um aumento significativo no pagamento das uvas, por parte das casas produtoras de Vinho Madeira, com o apoio do Governo Regional.

Na minha opinião, não devemos fazer reconversões para outras castas, dado que a Tinta Negra, no Estreito de Câmara de Lobos, é a casta que melhor se adapta à nossa altitude e aos nossos solos.

Já é preocupante a quantidade de viticultores que estão a abandonar as vinhas ou a optar por culturas menos exigentes em trabalho, como por exemplo a banana e a cana sacarina. Assim, a não reconversão será um incentivo para a continuidade da viticultura.

4. Falta de mão-de-obra

Eu lembro-me, quando tinha 8 anos, dos finais do verão que eram passados debaixo das latadas, a transportar baldes e latas de uvas. Para nós, nessa altura, esse trabalho era um dado adquirido, antes de voltarmos para a escola. Éramos muitos a fazer esta tarefa que, no fim, parecia uma brincadeira.

Nesta última vindima, eu não tive nenhum rapaz ou rapariga a executar esta importante tarefa. É um facto que o início do ano letivo é cada vez mais cedo, o que condiciona este trabalho.

Além disso, o crescimento de atividades como a construção civil, o turismo e os serviços faz perder muitos trabalhadores dos vinhedos, para esses sectores.

5. Turismo / promoção do produto

O sector do turismo pode ser um aliado do viticultor, porque o enoturismo é uma oportunidade de valorizar os vinhedos. O turismo pode contribuir com alguma mão-de-obra, pagando para ter a experiência de participar na vindima. Neste contexto, as uvas não seriam o único rendimento do viticultor.

Poderiam realizar-se também visitas às vinhas, durante todo o ano. Nos lagares, poderiam fazer-se lagaradas e recriar as nossas tradições. As vindimas seriam a celebração de um encontro de culturas, em que o trabalho nos une.

Seria igualmente importante organizar roteiros turísticos que aliassem as visitas às vinhas dos viticultores com museus e restaurantes locais.

O tipo de gastronomia tradicional, usado durante o ciclo anual da vinha, poderia ser um atrativo para os turistas conhecerem melhor o quotidiano dos viticultores.

Conclusão

Por fim, quero vos dizer que todo o sacrifício e trabalho árduo, feito com o suor dos viticultores, ganha uma enorme importância quando enchemos um cálice de Vinho Madeira e o oferecemos a beber.

Não é uma bebida qualquer que estamos dando, é um cálice de tradição, é um cálice de história, é a alma de um povo dentro de um copo.


A Madeira é uma ilha com nome de vinho e um vinho com nome de ilha. Bebam Vinho Madeira, consumam o que é nosso! É o melhor para todos.

Obrigado pela vossa atenção,

Lino Pinto


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